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Quilombo Rio dos Macacos: ‘É como se a gente ainda vivesse em uma senzala’

Dois meses se passaram desde que a comunidade do Quilombo do Rio dos Macacos, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador, teve o último embate violento com a Marinha. Na ocasião os fuzileiros impediam que os moradores reconstruíssem suas casas, destruídas pelas fortes chuvas que haviam atingido a região. De lá para cá, pouco mudou: “Eles sobrevoam com helicópteros durante a noite, apontando luzes, nós temos sérias restrições para entrar e sair do quilombo. É como se a gente ainda vivesse em uma senzala”, conta Rosemeire Santos, uma das líderes da comunidade.

“A gente esperava que o juiz não proferisse a sentença porque ele sabia que esse relatório ainda estava pendente de publicação. Mesmo assim, ele fez isso, infelizmente”, lamenta Átila Ribeiro Dias, defensor público que está ajudando a comunidade.

Para ele, a decisão foi um equívoco, que só atrapalhou uma série de reuniões que o governo federal vinha tendo com os moradores. “Na verdade, a data final era 1º de agosto, mas na época ocorria uma série de reuniões em Brasília para rever a situação. Ele poderia ter aguardado, todos os que estavam envolvidos no processo sabiam que o relatório estava pendente. Ou seja, por cerca de quatro ou cinco dias não foi possível incluir esse documento ao processo. Como um dos processos estava suspensos, agora o juiz de primeiro grau vai ter que analisar esse relatório do Incra e ainda mais os dois processos. É uma perda de trabalho muito grande”, considera.

Rosemeire conta que a Justiça ainda não informou a comunidade sobre a ordem de despejo. O relatório do Incra também não foi publicado no Diário Oficial da União, nem no do Estado, medida que daria valor legal ao estudo. “As pessoas estão achando que o processo acabou e que a comunidade perdeu, mas o que aconteceu é que o Incra só disponibilizou o relatório depois que o juiz deu a sentença. É um fato novo, o tribunal vai ter que analisar o relatório, que, inclusive, atesta formalmente que a comunidade é quilombola”, ressalva Átila.

Na terça-feira 14 a Defensoria Pública da União no estado entrou com dois recursos, de embargo de declaração e apelação, para que o processo seja remetido ao Tribunal.

Realocação

Mesmo com a conclusão de que a área é uma terra remanescente de escravos, a proposta em elaboração pelo governo ainda cogita a realocação das famílias quilombolas para um terreno localizado a 500 metros do local. “Foram duas propostas. A primeira é a de deslocar para uma área sem acesso ao Rio dos Macacos, sendo que a comunidade em si é proprietária da área toda. É como tirar você de sua casa e te colocar no quintal. A segunda foi para colocá-los em um local que a própria Marinha está disputando com um outro grupo de pessoas em um processo judicial. É você retirar a comunidade que tem um problema e colocá-la em outra também com problema”, conta o defensor.

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, se reuniu no dia 1º de agosto com o ministro da Defesa, Celso Amorim, para tratar do assunto. Ao final do encontro, Carvalho se disse confiante em um acordo. “Nós estamos fazendo uma proposta para a população e esperamos que ela possa ser aceita”, disse, ao comentar a contraproposta da Marinha em ceder parte da área que considera de sua propriedade para que os quilombolas possam ter uma entrada independente à região. “Eu acho que a Marinha foi flexível, fez uma oferta, uma proposta de realocamento do pessoal de maneira que preserva a dignidade das pessoas e agora nós estamos em uma fase de negociação com a comunidade lá”, completou o ministro.

Em outra reunião, o governo acenou com a possibilidade de construção das casas no terreno a ser oferecido seguindo os moldes escolhidos pela comunidade e disponibilizar também serviços básicos, como fornecimento de energia elétrica, água tratada, coleta de lixo, escola e saneamento básico.

Mas Átila argumenta que nada pode ser feito antes da oficialização do documento do Incra. “Antes de remanejamento eles têm que publicar o relatório no Diário Oficial, porque com isso a área não é mais de propriedade da União, é de propriedade da comunidade. É como se a decisão perdesse um de seus tentáculos”, diz o defensor.

A comunidade deixa claro que não pretende sair de seu território. “Se eles quiserem construir casas, o que for, eles têm que fazer isso dentro da comunidade, nós não vamos deixar o que é nosso”, diz Rosemeire, convicta.

Conflito de interesses

A Secretaria de Promoção da Igualdade Social da Bahia (Sepromi-BA) vem mediando as discussões entre o Governo Federal e a comunidade. “Todas as ações da Sepromi tem sido no sentido de apoiar a comunidade em todas as suas questões e também movimentações. Nós damos apoio institucional porque nós estamos nitidamente diante de uma situação que coloca em conflito os interesses da própria União”, diz o secretário Elias de Oliveira Sampaio.

Para ele, a Justiça está tratando do caso com certa exacerbação. “A política quilombola no Brasil é relativamente nova, então os órgãos governamentais têm a obrigação de tentar consolidar essa política pública. A Justiça tem que entender que mesmo que a negociação é fundamental, porque nem a Marinha é inimiga do povo brasileiro, nem os quilombolas”, afirmou.

Sampaio diz que todas as ações do governo deveriam ser realizadas no sentido de consolidar a política dos quilombos. “O que está acontecendo é que existe uma política publica em implantação. Porque as desigualdades em relação a raça, gênero e etnia, além das comunidades tradicionais no Brasil ninguém discute. Então caberia ao Estado ter uma visão um pouco mais parcimoniosa para entender que precisamos consolidar isso”, acredita.

Apesar disso, ele diz não considerar um retrocesso a possibilidade de realocação dos moradores do Quilombo do Rio dos Macacos. “Quem deve decidir os interesses da comunidade é ela mesma. Não podemos recriminar todas as propostas de negociação. Existem exceções nessa política quando se trata de assuntos de segurança nacional, que é o que a Marinha está alegando. Nesse caso, se a comunidade quiser, isso não se tornaria um retrocesso, mas um caso de como  podemos chegar a um consenso com investimentos em infraestrutura”, conclui.

Fonte: Agência Brasil

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